Viagem ao Mundo da Ópera com Marco Alves dos Santos

  • Enquanto vila-franquense, qual é a sua opinião sobre a evolução desta cidade? 

Vila Franca tem uma situação um tanto paradigmática, sensível ao facto de ser um subúrbio quase não sendo. Isso cria dificuldades de toda a gestão de uma cidade. É um bocadinho difícil implantar um conceito dinâmico de sociedade quando se vive tão próximo de Lisboa.

Também tem o constrangimento que tem qualquer cidade devido à situação económica do país, de ter de se fazer escolhas na gestão. A escolha em Vila Franca foi um bocado economicista, mas continua a haver actividades, nomeadamente desde que apareceu a Fábrica das Palavras, que era uma obra extremamente importante para a terra, além de contar com um conjunto de colectividades que ainda fazem borbulhar a cultura.

Em termos de investimento, penso que a Câmara faz aquilo que pode fazer. Claro que é sempre possível fazer mais e melhor, como também é sempre possível gastar mais… São escolhas que é preciso fazer.

Para mim, erradicar as touradas de Vila Franca era tão ridículo como chegar ao Minho e erradicar a cultura da filigrana.

 

  • Pensa que há a possibilidade da terra se desenvolver mais dentro de si mesma, apesar da proximidade de Lisboa?

Acho um bocado difícil… Por exemplo, não a podemos comparar com Tomar…

Tomar é uma cidade que fica a 100 km de Lisboa que tem uma dinâmica própria, tem um instituto politécnico, tem uma dinâmica de cidade… Vila Franca já não.

Eu costumo dizer que é aqui que começa a província, porque tem esse misto de ser subúrbio, não o sendo no sentido lato da palavra. E depois, há outro problema em Vila Franca: o município é enorme e abriga milhares de pessoas completamente diferentes umas das outras, de etnias e origens diversas. Eu compreendo, para quem está na cadeira do poder, as dificuldades que isso cria. Compreendo que não se faça mais…

Também tem a faceta da cultura ser muito vincada na questão tauromáquica. Vila Franca não é só toiros, é verdade, e às vezes, parece que é, mas também não se pode contrariar aquilo que é a natureza da cidade, a sua identidade. Para mim, erradicar as touradas de Vila Franca era tão ridículo como chegar ao Minho e erradicar a cultura da filigrana. E eu, não sou particularmente aficionado, não frequento touradas, nem o meio.

Eu também gostava que, em Vila Franca, houvesse mais ópera e jazz e outros espectáculos, que se vão fazendo às vezes aqui e ali, mas estamos a 30 km de tudo isso, há tudo isso em Lisboa, o que acaba por impedir que germinem e se desenvolvam aqui. Mesmo assim, ainda vai havendo… Por exemplo, há quase uma mini-temporada de música erudita e clássica, a Clássica na Fábrica, na Fábrica das Palavras, com a colaboração do Conservatório Silva Marques da Sociedade Euterpe Alhandrense. A Câmara já teve protocolos com a Orquestra Metropolitana de Lisboa, já tivemos dos melhores solistas a nível nacional a tocar aqui em Vila Franca.

E depois há aquela coisa de que se não se faz é porque não se faz, se se faz é porque ninguém avisa. Quem está interessado, vai à procura. É tão simples quanto isto!

 

  • Não lhe parece que se isso acontece também é porque quase tudo é dinamizado pela Câmara?

Sim, mas isso é também reflexo da mentalidade do próprio país. Se formos a Inglaterra, há uma mentalidade histórica a nível de mecenato.

A Royal Opera House, onde uma amiga minha trabalha, tem um departamento de cinco ou seis pessoas só para tratar do mecenato, para, no fundo, vender o produto teatro. É uma questão cultural.

Aqui em Portugal, isso ainda é visto quase como um desperdício. O que é contrário aos estudos que dizem que por cada 1% de PIB que o Estado investe indirectamente na cultura, há 2,5% de PIB que retorna. Destrói a ideia errada de que a cultura não dá dinheiro. Isso é mentira. Não dá dinheiro directamente, mas dá indirectamente à economia do país.

Por exemplo, todas as pessoas que vão assistir a um concerto no Festival ao Largo acabam por consumir qualquer coisa no Chiado. São milhares de pessoas a consumir milhares de euros. O Estado recebe 23% de todos os queques, ou qualquer outro produto que as pessoas compram no dia em que vão ali ver um espectáculo.

Devia haver mais investimento na cultura? Se calhar sim, mas de uma forma mais inteligente. Se calhar onde houvesse uma divisão do investimento entre privado e estatal. Em vez de darmos benesses fiscais a regularizações de dinheiro que está em off shore porque não damos benesses às empresas que realmente investem em cultura neste país?

É esse tipo de mentalidade que é preciso destruir, tal como o elitismo da ópera; ou a crença de que só se consegue produzir a trabalhar doze horas por dia e a martelar pregos, numa linha em série de milhares de pessoas… Isso acabou.

 

  • Para terminar, gostávamos de saber quais são os seus próximos projectos…

Eu tenho um facto extraordinário neste país que é ter a agenda praticamente cheia até Julho de 2017, o que é incrível. O que também prova que a nível de organização estamos a planear com um bocado mais de antecedência, o que é bom e permite pensar melhor as coisas.

Estarei na “Anna Bolena” no Teatro Nacional de São Carlos, em Fevereiro. Voltarei à Gulbenkian, também em Fevereiro, no papel de Acis, em “Acis and Galatea” de Händel e estarei no Teatro D. Maria II, em Beaumarchais, um projecto desenvolvido numa parceria entre a Fundação Calouste Gulbenkian e o Teatro D. Maria II e com composição de Pedro Amaral.

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O Gaibéu agradece a gentileza do TNSC/OPART ao ter disponibilizado o teatro para a sessão fotográfica.

Entrevista: Sofia T 

Fotografia: Helder Bento

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